em algum momento dessa minha vida — momento esse que tento incessantemente determinar com exatidão — eu aprendi a brincar de esconde–esconde. no entanto, para além da brincadeira convencional, na qual juntam-se outras pessoas para irem atrás umas das outras com a premissa de ser uma diversão coletiva, o meu brincar é solitário e exaustivo; eu me escondo, a princípio de mim, e posteriormente dos demais.
quanto mais me procuro, menos possível parece o reencontro. raras são as vezes em que me deparo com um vestígio, uma quase pista, do meu próprio paradeiro; distante, beirando o inalcançável. devo ter aprendido a me camuflar, talvez meu desejo infantil pela invisibilidade tenha sido concedido. um grande porém é que agora eu não mais anseio pela omissão; não me cabe mais qualquer isenção de mim mesmo.
sigo fugindo de qualquer posição de vulnerabilidade como o diabo foge da cruz, e isso não somente me inseriu em um estado de maior fragilidade como também me acorrentou a um sentimento de medo e de desconfiança insustentáveis. é muito cômodo não ser visto ou lembrado, até certo ponto. ser percebido te expõe à possibilidade de não agradar, de não ser compreendido, de não ser amado. poucas coisas amedrontam tanto quanto a ideia do desamor, do desapreço, do desamparo.
And now I’m hard, too hard to know
I don’t cry when I’m sad anymore, no no
Tears calcify in my tummy
Fears coincide with the tow
How can I ask anyone to love me
When all I do is beg to be left alone?
mostrar–se ao mundo, exatamente como se É, considero eu o ato primeiro de coragem e amor próprio. faz-se necessário gostar de si ainda diante da possibilidade ou da certeza de que os outros não gostem tanto assim, ou simplesmente não gostem nem um pouco. não que o amor advindo de terceiros não seja essencial, uma vez que ainda somos seres humanos e o amor, em todos os seus delineamentos e proporções, é o pilar que nos ancora; o que sustenta nossa existência; o ânimo motor de nossas almas.
e aí é que 'tá. se permitir ser visto é uma posição TAMANHA de vulnerabilidade; entretanto, arrisco dizer que não se passa pela vida sem a sina de estar eternamente sujeito a magoar, bem como ser magoado, decepcionado, desiludido, desenganado pelas façanhas do destino.
É engraçado
Às vezes a gente sente
Fica pensando
Que está sendo amado, que está amando
E que encontrou tudo que a vida podia oferecer
E em cima disso, a gente constrói os nossos sonhos
Os nossos castelos
E cria um mundo de encantos onde tudo é belo
Até que a mulher que a gente ama, vacila
E põe tudo a perder
E põe tudo a perder
partindo do princípio de que a gente mal tem controle das nossas próprias ações, de nada adianta a privação como mecanismo de autodefesa; no sentido de que, pelo menos ao meu ver, expressar sentimento é uma das coisas mais naturais e simbólicas da própria experiência humana aqui na terra. evitar as possíveis decadências também obstrui o caminho para qualquer ascensão; perdem-se as partes boas, à medida em que se tenta remediar o irremediável, o desencanto que, tarda, mas nunca falha em se apresentar, de uma forma ou de outra.
embora envolto pelo horror à vulnerabilidade, amar nunca me aterrorizou. se eu amo, faço uso de todo o amor; até mesmo quando preciso redirecionar meu objeto de afeto, o sentimento ainda me pertence e segue comigo. na minha concepção, amar nunca é um desperdício; seja de tempo, seja de energia. nunca se peca no amor; nos seus desdobramentos, talvez.
finalizo com uma frase que sintetiza bem a proposta desse texto:
Esconder-se é um prazer, mas não ser encontrado é uma catástrofe. — Winnicott.
oii, espero que tenham gostado da leitura!!! <3
fugir de vulnerabilidade é viciante e vira aqueles pesadelos em que a gente não consegue se mexer. muito bem escrito!
voce sabe tanto. obrigado te amo!!!